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sábado, 28 de julho de 2012

EXU

Esse texto é uma prova de que, para falar de Exu, não precisa ser quimbandeiro. Apesar de que o autor enfoca mais a questão umbandista (Umbanda Racional), neste caso considerando a presença de Exu na Umbanda, ainda assim foi um dos melhores apanhados que tive na Web nos últimos tempos.

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Exu no Brasil foi associado ao mal, ao demônio, à rua e à marginalidade, revelando-se um dos aspectos mitológicos do imaginário nacional, desta forma, parte da Estrutura Social do país. 
Ocorreu a cisão da arte do kimbanda, enquanto feiticeiro ele é posto na Quimbanda e todo seu saber é relido na sociedade brasileira, transformando a Umbanda em magia branca e a Quimbanda em magia negra. A Quimbanda manteve o princípio das tradições de feitiçaria dos descendentes africanos enquanto a Umbanda procurou caminhar na lógica “civilizada” dos valores ocidentais. 
Nesta oposição entre “tradicional” e “moderno” Ortiz vê o contraste entre a cultura branca e a cultura negra. Como na análise feita por Reginaldo Prandi, a lógica Umbandista é a lógica racional, os Orixás Umbandistas são todos entidades brancas, porém Exu foi o único que conservou seu passado negro, ele é o que resta de negro e de afro brasileiro, de “tradicional” dentro da sociedade brasileira contemporânea. Desta forma, eliminar o “mal” seria livrar-se do passado afro-brasileiro, para se integrar na sociedade de classe.
A Umbanda, por um lado, pode ser o extremo desta conseqüência, ao incorporar valores Kardecistas, que se baseiam na ética e moral cristã, acabou por distorcer a imagem de Exu perante os brasileiros. Ela manteve os Orixás, o rito dançado, o transe da incorporação de divindades e antepassados, porém todos engendrados a partir da moral ocidental. Na visão africana, o bem e o mal não existem tão segmentados como para nós, e o uso da magia e do feitiço seria livre, não importando a intenção de seus agentes, ao contrário da moral umbandista. 
Mas frente à Umbanda e dentro do mesmo Terreiro surge na calada da noite em cerimônias fechadas e secretas a Quimbanda, um território criado para Exu, tornando-se uma negação ética para a Umbanda. A Umbanda escondeu Exu na Quimbanda para agradar os olhos da sociedade brasileira, influenciada pelo espiritismo fez Exu ter um aspecto de humano desencarnado. Ele seria agora o espírito dos marginais, bandidos, assaltantes, assassinos, ladrões, traficantes, figuras ruins, gente do mal. 
Exu, representante na África das relações sexuais e da fertilidade, dentro da moral cristã tornou-se um demônio degenerado, libidinoso e carnal. Aos poucos essa característica foi sendo esquecida na divindade, e simultaneamente surgiu a figura da Exu feminina, a Pombagira. Enquanto mulher ela é vista como portadora do pecado em nossa sociedade cristã, passando a representar a depravação sexual assim como o espírito desencarnado das mulheres da vida, prostitutas, mulheres de bandidos e etc.

QUEM É EXU

Exu mantém as categorias do pensamento africano, preservando a dialética do eu social e individual. No que diz respeito ao social Exu faz a ligação entre os inúmeros seres e categorias existentes e é também o princípio da existência individualizada, enquanto força que reside em cada ser/indivíduo, o motor de nosso destino pessoal; cada um de nós carrega interiormente como força que conduz e regula o nosso destino. 
A maldade está no ser humano, assim as tendências individuais reprimidas socialmente podem se manifestar de uma forma desejável e livre, já que o culto a Exu no Brasil propicia a segurança e a aceitação social do fiel dentro da religião, liberam-se a agressividade, a impulsividade, a prostituição, o homossexualismo e etc. A noção ocidental brasileira separou magia branca e a magia negra, porém a magia na África tribal era tida como moralmente neutra, por isso a maldade estaria no ser humano. Exu serve como entidade protetora e de combate ante as relações sociais conflitantes, Exu serve aos “excluídos”, “desajustados” e aos “marginais”. 
Alguns mitos falam da desobediência de Exu às ordens de Olorum, mudando assim a ordem das coisas, seria ele próprio a personificação do desafio e do deboche, como no mito em que muda o Sol e a Lua de posição, entrega aos homens a possibilidade de autodeterminação, quebrando as normas sociais, introduzindo a desordem e a possibilidade de mudança.
A diferença de opiniões a respeito de Zé Pelintra nos revela a diferença entre o Candomblé e a Umbanda. A primeira procura preservar a memória africana enquanto a Umbanda, religião surgida na sociedade urbana brasileira, o aceita como uma entidade relida e adaptada nesse meio urbano, mas com elementos de descendência africana, a própria imagem de Zé Pelintra é a do afro-brasileiro urbano, que encontrou na boemia uma forma de solução social. 

Permitam-me um parêntese: Eu sempre pensei que Zé Pelintra nascera do ventre de uma índia, sendo filho de homem branco. Mas ele joga capoeira, isso é fato! Será mesmo que ele é “afro-brasileiro”. (..?) E os negros que abandonam sua cultura, viram brancos?

Podemos afirmar que no Brasil persiste o elemento africano da divindade de Exu, (brincalhão, mensageiro e múltiplo), como símbolo afro-brasileiro, é um herói ambíguo que protege e amedronta os homens. Entretanto, pode se dizer que estas estruturas não são estáticas e que dentro da sociedade nacional houve uma reinterpretação da divindade, mantendo a sua essência simbólica. 
No ocidente o universo é visto como uma máquina regulada (Newton), e as leis estáticas devem ser compreendidas pela razão humana, na África o universo e o cosmos são concebidos de maneira oposta, baseiam-se nas ações e relações entre os fenômenos, num processo dialético de equilíbrio e desequilíbrio, provocado pelas forças contidas neste processo, a ordem e a desordem se inter-relacionam fazendo o movimento necessário para o desenvolvimento do mundo.
Exu seria o princípio cósmico dessa dinâmica caótica, transportando o axé que está presente em todos os setores do mundo (animados e inanimados), mantendo a comunicação entre os diversos setores do universo, provocando desordem, ora a ordem, sustenta o funcionamento do cosmos. Encontra-se ele nos domínios de Ifá, o deus responsável pelo destino (oráculo), traduzindo as mensagens dos deuses aos homens, de Ossaim, divindade responsável pelas ervas, auxiliando-a a fixar o Orixá na cabeça dos fiéis através destas ervas, no reino dos mortos (eguns), Exu os auxilia, permitindo aos eguns o acesso ao corpo das crianças que vão nascer. 
Mesmo na Umbanda, onde houve uma apropriação da religião africana de uma forma mais ocidentalizada, a continuidade africana é presente, principalmente em relação à magia, utilizada na macumba. A divindade africana converge com a Estrutura Social do país nas relações sociais mais objetivas e nos simbolismos, nos nossos valores. Exu mora na rua, no perigo, em um mundo ambivalente onde o brasileiro mantém relações igualmente ambíguas, um lugar onde não existem relações contratuais, é o ser inerente a esta rua, representa a boemia, a malandragem clássica dos anos 30, Zé Pelintra é a representação dessa dimensão de nossa sociedade, sua imagem é a de um mulato, vestido com seu terno, chapéu e sapatos brancos, vive o “nem lá e o nem cá”, em um país cujas relações de compadrio continuam presentes em nosso cotidiano, onde a racionalidade oprime e subjuga através de leis que contêm elementos de controle social.
No Brasil, Exu transformou-se num malandro, um herói ambíguo, como bom afro-descendente, que foge as regras opressoras do universo social brasileiro. Zé Pelintra é um malandro, inverte o sistema em proveito próprio, um sistema que inicialmente apenas o deixaria numa posição subalterna e exploratória. 

NESTE CASO, O AUTOR ESTÁ CITANDO ZÉ PELINTRA COMO EXEMPLO, MAS NA VERDADE, ELE SE REFERE A TODAS AS ENTIDADES DA QUIMBANDA. 

Mas Exu também representa outros ‘marginais’ de nossa civilização, como os Exus baianos configuram a situação do imigrante nordestino, que não encontrando no sul do país emprego e melhoria social, transforma-se em um delinqüente, descritos na pesquisa da autora como negros, revoltos, sofredores, violentos e vingativos. 
Em um mundo onde o compadrio continua presente, herança do mundo rural, encontrar o “padrinho” na cidade torna-se difícil, sentindo-se sozinho e desprotegido o fiel acha em Exu uma relação mais próxima. Substituindo o homem influente, agora ele é o novo protetor do indivíduo isolado e sem destaque pessoal que mora nos subúrbios dos grandes centros urbanos brasileiros. Exu também é a mulher excluída, é a Pombagira, a prostituta que auxilia os umbandistas a superarem as regras ditadas pela moral da sociedade sobre o amor e o sexo, recebendo presentes femininos em suas oferendas como batons e panos caros, Pombagira realiza os desejos mais íntimos e proibidos dos fiéis.
O culto a Exu representa, além de tudo, a possibilidade de superação de tendências individuais reprimidas pela sociedade dominante. Exu ampara a subversão de certos valores, possibilitando a aceitação social de determinados tipos de comportamentos combatidos pela moral cristã da sociedade nacional. A assimilação ao demônio ocorre devido a essa motivação à libertação aos valores tradicionais de nossa sociedade. 
Exu é um mensageiro, um Hermes africano, exige um salário ritual, ele não tem a maldade congênita do demônio, sua reação depende da relação que está sendo travada com a divindade. Satanás não protege a casa de ninguém, Exu, antes de qualquer coisa, também é um guardião, os deuses africanos mudam de temperamento, oscilam conforme a oferenda recebida, ao contrário do diabo cristão que é imutável. 
Na África não existe um deus apenas mau. O conflito e o encontro entre a racionalidade ocidental e a racionalidade africana se dão também em relação ao contexto histórico e social da urbanização, assim como no espacial, ou seja, a cidade. A secularização e o processo histórico levaram a divindade a caminhar da zona rural para a cidade, ela veio junto com os imigrantes, motivado pelo processo de exploração do campo, porém ao chegar à cidade se reorganizou, se adequou ao novo meio espacial e social. As encruzilhadas das ruas urbanas foram habitadas pelos Exus, os quatro pontos cardeais da cosmologia africana continuam presentes na cidade, nas encruzilhadas condensam-se as forças do cosmos, por ali passam as forças do mundo e todos por ali passam, e agora, no contexto urbanizado, a pé, de ônibus ou de carro.
Exu também passou a ser cultuado no cemitério metropolitano onde o conflito com outras religiões passa a ser inevitável. Assim o Candomblé e a cidade relacionam-se através do diálogo entre os dois universos. Esse diálogo permite que os deuses e os ritos se transformem para ocupar a cidade, e a cidade os recebe como integradora e receptora de inúmeros grupos étnicos. 
A vida no ambiente urbano da metrópole possui múltiplas faces, e essa condição inexata da pluralidade da cidade auxilia a vivência do Candomblé nesse espaço. A ruptura entre magia e racionalidade não se faz existente, o que ocorre, porém é uma continuidade pelo diálogo entre as partes. A vida na cidade moderna é multidimensional, criando possibilidade para a afirmação do Candomblé nesse espaço.  
Exu, ser da liminaridade, está na cidade e no campo, está na África e no Brasil, entre o profano e o sagrado, entre a luz e a sombra, são crianças que nada sabem, espíritos dos que morreram e continuam ligados aos vivos, humano e deus, humano e bestial. Viver na liminaridade é estar próximo à morte, é estar no útero, a liminaridade é a invisibilidade da penumbra, a escuridão, a bissexualidade, as regiões selvagens, o eclipse e etc. Assim é Exu e desta forma ele faz tudo funcionar, a vida se desenvolver, porque mantém o elo entre as partes do mundo.
Compreender Exu é entender a filosofia africana, sua noção de mundo, que fala em Oxalá como divindade andrógina, filho do criador máximo Olorum. Oxalá se transforma em Oduduá e Obatalá, respectivamente feminino e masculino, que ao se separarem criou respectivamente a terra e o céu (o mundo foi criado a partir de uma ruptura), a união dos dois seria representada no Terreiro, por um poste central, um pênis metaforizado que une céu e terra, macho e fêmea. 
A partir da ruptura de Oxalá andrógino em dois, o mundo é formado, o caos estaria na essência deste mundo, o ato sexual entre o homem e a mulher seria o resgate dos momentos primordiais da criação, e Exu enquanto comunicador promove a união sexual, (representado pelo poste central, ou pelo Iroco, a árvore sagrada), que fará as crianças nascerem, a vida se desenvolver e o mundo caminhar sem nunca acabar. 
Por esse motivo Exu liga-se ao sexo e aos prazeres da carne, a luxúria e a união sexual promotora da vida. Podemos dizer que sociedade brasileira, herdeira do sistema escravocrata, promoveu e promove o conflito social, em suas relações de subordinação e dominação, o afro-descendente enquanto etnia foi violentado e explorado – ao contrário de outros povos que colonizaram o país, como portugueses, japoneses, italianos, espanhóis, judeus e etc, que puderam ter suas estruturas e valores preservados, seus hábitos, sua forma familiar, e que antes de tudo, vieram por espontânea vontade para o Brasil – os negros foram trazidos à força, seus valores, sua organização foram vilipendiados pela cultura européia aqui estabelecida, mas a ambigüidade africana foi a força que manteve a resistência e a permanência da religião, portadora legítima da filosofia cosmológica negra.
Exu é a resistência frente à cultura branca, Exu é a divindade guerreira, soldado de Ogum, que socorreu seus descendentes da violência do mundo branco, e também os defendeu com sua magia protetora. Por isso Trindade destaca que Exu, visto pela ideologia dominante é tido como um perigo, sempre pronto a confrontar a ordem. Sua prática na Quimbanda desperta na memória coletiva a reprodução do passado escravocrata. Exu – negro-diabo representa as práticas mágicas dos escravos contra os senhores, uma imagem associada ao mito bíblico em que o diabo representa o desafio ao poder, tudo aquilo que subverte pela magia a ordem será visto como mal, porque além de tudo subverte a ordem social.
Exu nada mais é que o poder dos “fracos”, a resistência africana, a divindade complexa que em sua lógica faz o mundo funcionar, as coisas se moverem. É o elemento africano presente e determinante na vida de muitos brasileiros, negros ou não, vivo no culto do Candomblé e na magia umbandista. Exu, antes de tudo, é um patrimônio nacional que se impõe aos outros valores excludentes da vida brasileira, como o cristianismo católico e evangélico ou ao cientificismo das academias que insistiram, por um significativo período de tempo, em colocar o negro e o indígena em uma posição inferior, baseados por teorias Darwinistas e Evolucionistas. Exu se configura como resistência, faz frente à “ordem” e ao 
“progresso” positivista das instituições nacionais, Exu é o não-cartesianismo, é a parte não ocidental da cultura brasileira.

LEIA O ARQUIVO COMPLETO NESTE LINK: 

DOWLOAD >>> http://www.antropologia.com.br/divu/colab/d10-alima.pdf

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Conto de EXU

Exu é o senhor do bem e do mal. Ele está em todos os locais e fala todas as línguas. É a própria comunicação. É o orixá da inteligência, do bom humor, dos amantes da vida e da boa mesa, das cores e odores.
 
Exú sempre foi o mais alegre e comunicativo de todos os orixás. Olorun, quando o criou, deu-lhe, entre outras funções, a de comunicador e elemento de ligação entre tudo o que existe. Por isso, nas festas que se realizavam no orun (céu), ele tocava tambores e cantava, para trazer alegria e animação a todos.

Sempre foi assim, até que um dia os orixás acharam que o som dos tambores e dos cânticos estavam muito altos, e que não ficava bem tanta agitação.
 
Então, eles pediram a Exú, que parasse com aquela atividade barulhenta, para que a paz voltasse a reinar.
 
Assim foi feito, e Exú nunca mais tocou seus tambores, respeitando a vontade de todos.
 
Um belo dia, numa dessas festas, os orixás começaram a sentir falta da alegria que a música trazia. As cerimônias ficavam muito mais bonitas ao som dos tambores.
 
Novamente, eles se reuniram e resolveram pedir a Exú que voltasse a animar as festas, pois elas estavam muito sem vida.
 
Exú negou-se a fazê-lo, pois havia ficado muito ofendido quando sua animação fora censurada, mas prometeu que daria essa função para a primeira pessoa que encontrasse.
 
Logo apareceu um homem, de nome Ogan. Exú confiou-lhe a missão de tocar tambores e entoar cânticos para animar todas as festividades dos orixás. E, daquele dia em diante, os homens que exercessem esse cargo seriam respeitados como verdadeiros pais e denominados Ogans.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Historia de Zé Pelintra do Cabo

Jose Emerenciano nasceu em Pernambuco. Filho de uma escrava forra com seu ex-dono, teve algumas oportunidades na vida. Trabalhou em serviços de gabinete, mas não suportava a rotina. Estudou, pouco, pois não tinha paciência para isso. Gostava mesmo era de farra, bebida e mulheres, não uma ou duas, mas muitas. Houve uma época em que estava tão encrencado em sua cidade natal que teve que fugir e tentar novos ares. Foi assim que Emerenciano surgiu na Cidade Maravilhosa. Sempre fiel aos seus princípios, está claro que o lugar escolhido havia de ser a Lapa, reduto dos marginais e mulheres de vida fácil na época. Em pouco tempo passou a viver do dinheiro arrecadado por suas "meninas", que apaixonadas pela bela estampa do negro, dividiam o pouco que ganhavam com o suor de seus corpos. Não foram poucas as vezes que Emerenciano teve que enfrentar marginais em defesa daquelas que lhe davam o pão de cada dia. E que defesa! Era impiedoso com quem ousasse atravessar seu caminho. Carregava sempre consigo um punhal de cabo de osso, que dizia ser seu amuleto, e com ele rasgara muita carne de bandido atrevido, como gostava de dizer entre gargalhadas, quando nas mesas dos botecos de sua preferência. Bebia muito, adorava o álcool, desde a cachaça mais humilde até o isque mais requintado. E em diversas ocasiões suas meninas o arrastaram praticamente inconsciente para o quarto de uma delas. Contudo, era feliz, ou dizia que era, o que dá quase no mesmo. Até que conheceu Amparo, mulher do sargento Savério. Era a visão mais linda que tivera em sua existência. A bela loura de olhos claros, deixava-o em êxtase apenas por passar em sua frente. Resolveu mudar de vida e partiu para a conquista da deusa loura, como costumava chama-la. Parou de beber, em demasia, claro! Não era homem também de ser afrouxado por ninguém, e uns golezinhos aqui e ali não faziam mal a ninguém. Dispensou duas de suas meninas, precisava ficar com pelo menos uma, o dinheiro tinha que entrar, não é? Julgava-se então o homem perfeito para a bela Amparo. Começou então a cercar a mulher, que jamais lhe lançara um olhar.

Aos amigos dizia que ambos estavam apaixonados e já tinha tudo preparado para levá-la para Pernambuco, onde viveriam de amor. Aos poucos a história foi correndo, apostas se fizeram, uns garantiam que Emerenciano, porreta como era, ia conseguir seu intento. Outros duvidavam Amparo nunca demonstrara nenhuma intimidade por menor que fosse que justificasse a fanfarronice do homem. O pior tinha que acontecer, cedo ou tarde. O Sargento foi informado pela mulher da insistente pressão a que estava submetida. Disposto a defender a honra da esposa marcou um encontro com o rival. Emerenciano ria, enquanto dizia aos amigos: - É claro que vou, ele quer me dar a mulher? Eu aceito! Vou aqui com meu amigo... - E mostrava seu punhal para quem quisesse ver. Na noite marcada vestiu-se com seu melhor terno e dirigiu-se ao botequim onde aconteceria a conversa. Pediu uísque, não era noite para cachaça, e começou a bebericar mansamente. Confiava em seu taco e muito mais em seu punhal. Se fosse briga o que ele queria, ia ter. Ao esvaziar o copo ouviu um grito atrás de si: - Safado! - Levantou-se rapidamente e virou-se para o chamado. O tiro foi certeiro. O rosto de Emerenciano foi destroçado e seu corpo caiu num baque surdo. Recebido no astral por espíritos em missão evolutiva, logo se mostrou arrependido de seus atos e tomou seu lugar junto a falange de Zé Pelintra. Com a história tão parecida com a do mestre em questão, outra linha não lhe seria adequada. Hoje, trabalhador nos terreiros na qualidade de Zé Pelintra do Cabo, diverte e orienta com firmeza a quem o procura. Não perdeu, porém a picardia dos tempos de José Emerenciano. Sarava Seu Zé Pelintra!

Baianos



Durante muitos anos a linha dos baianos foi renegada e os trabalhos feitos com ela eram vistos com restrições. Dizia-se que por não ser uma linha diretamente ligada às principais, era inexistente, formada por espíritos zombeteiros e mistificadores. Aos poucos eles foram chegando e tomando conta do espaço que lhes foi dado pelo astral e que souberam aproveitar de forma exemplar. Hoje se tornaram trabalhadores incansáveis e respeitados, tanto que é cada vez maior o número de baianos que está assumindo coroas em várias casas. A alegria que essa gira nos traz é contagiante. Os conselhos dados aos consulentes e médiuns demonstram uma firmeza de caráter e uma força digna de quem soube aproveitar as lições recebidas. Atualmente já temos o conhecimento de que fazem parte de uma sublinha e nessa designação podem vir utilizando qualquer faixa de trabalho energético, ou seja, podem receber vibrações de qualquer das sete principais. Têm ainda um trânsito muito bom pelos caminhos de exu, podendo trabalhar na esquerda a qualquer momento em que se torne necessário. Cientes dessa valiosa capacidade, nós dirigentes, sempre contamos com eles para um desmanche de demanda ou mesmo sérios trabalhos em que a magia negra esteja envolvida. Com eles conseguimos resultados surpreendentes. Os que não admitem essa linha como vertente umbandista defendem sua posição criticando o nome que esses espiritos escolheram para seu trabalho. Já ouvi coisas do tipo “Daqui a pouco teremos linhas de cariocas, sergipanos, etc.” Esquecem eles que a Bahia foi escolhida por ser o celeiro dos orixás. Quando se fala nesse estado, nossos pensamentos são imediatamente remetidos para uma terra de espiritualidade e magia. O povo baiano é sincrético e ecumênico ao extremo, nada mais natural que sejam escolhidos para essa homenagem de lei que é como se deve ver a questão. Vale ainda lembrar que nem todos os baianos que vêm à terra realmente o foram em suas vidas passadas, esses espiritos agruparam-se por afinidades fluídicas e dentre eles há múltiplas naturalidades. É evidente que no inicio a Umbanda era formada por legiões de caboclos, preto-velhos e crianças, mas a evolução natural acontecida nestes anos todos fez com que novas formas de trabalho e apresentação fossem criadas. Se a terra passa por constantes mutações porque esperar que o astral seja imutável? O que menos interessa em nosso momento religioso são essas picuinhas criadas por quem na verdade, não defende a Umbanda, quer apenas criar pontos polêmicos desmerecendo aqueles que praticam a religião como se deve, dentro dos terreiros, onde abraçamos a todos os amigos espirituais da forma como se apresentam.
Luiz Carlos Pereira

Baianos são uma linha de trabalhadores de Umbanda pertencentes à chamada Linha das Almas, a mesma dos Pretos-Velhos / Pretas-Velhas. Suas giras são encontradas sobretudo em São Paulo. A correspondência no Rio de Janeiro é com a linha dos Malandros, cujo maior representante é Zé Pelintra.
Sempre com seu coco (mistura de cachaça e mel colocada dentro de um coco), a linha baiana está sempre disposta a ajudar os filhos de fé com seus conselhos e sua proteção. Esta linha costuma trabalhar cruzada (na direita e na esquerda), não incorporando geralmente nos trabalhos de esquerda (exceto Zé Pelintra), mas tendo a sua permissão para atuar na Quimbanda no plano espiritual.
baiana-by-nino1

Ponto de Baiana.
Baiana da saia rendada seu tabuleiro tem axé.
A baiana ta requebrando, oi como dança no candomblé.
ò Bahia, Bahia de Nosso Senhor do Bonfim,
ò Bahia peça a Oxalá por Mim,
Baiana da saia rendada seu tabuleiro tem axé.
A baiana ta requebrando, oi como dança no candomblé.

Ponto do baiano Zé do Cocô.
Baiano tá bebo não, baiano tá bebo não
Baiano tá bebo não, baiano tá bebo não
Trás o copo que a caneca ta furada,
Baiano não bebeu nada

A Culpa Foi do Obsessor!
Baiano Zé do Coco
Médium Mãe Luzia NascimentoLegado de umbanda é sacerdócio
Onde cada um tem que cumprir sua missão
Muitos passam pelo terreiro...
Poucos são os que ficam vivenciando lição

Para muitos a escola Aruanda é boa
Quando atende aos seus anseios
Mas quando contraria ao que se quer
Valha-me Nossa Senhora, aí começa o desmantelo.

Tem filho de tudo quanto é qualidade
Tem até os que perderam a identidade
E no vaivém da vida deixa passar oportunidade
Eita povo mal-criado como faz complicadô
Bate cabeça no Conga, mas num se alembra de Nosso Sinhô.

Baiano de sua redinha olha os filhos que estão na corrente
Fico feliz quando encontro uma alma que não esta ausente
A Umbanda é boa baiano? E eu arrespondo: é sim senhor!
Mas prá trabalhar na umbanda num tem que ter cansador.

Tem filho injuriado e desconsolado também
Tem aquele que é sonhador e cá pra terra não vem
Prefere viver nas nuvens pra não machucar ninguém
Ainda tem o filho que faz birra feito criança mimada
Bastô a mãe levantar a voz já se acha injustiçada
Porque conselho dos guias e pró outros pra ela num serve nada!

Virgem minha Mãe Santíssima
Agora é baiano que num sabe quem tá errado?
Pois tem filho que avalia os outros, mas, num quer ser avaliado.
Leva a vida toda no aprendizado e adispois é reprovado

Não escolheu o amor como melhor opção
E daí passa o resto do tempo a fazer reclamação
No final diz que se enganou a culpa foi do obsessor!
E passa o resto da existência fazendo seu rezador
Lamuria, lágrima e arrependimento foi só o que ele lucrou.
Pois ao invés de trabalhar na Umbanda ele deu foi trabalhador

É da Bahia meu Pai!
Salve o Senhor do Bonfim!

Os Baianos são a alegria da Umbanda, não há quem não goste desta gira e desta linha pois são as entidades que mais se assemlham conosco encarnados, pois são espíritos que sofreram as amargurás da fome, e do calor do sertão.
Os espíritos desta linha são brincalhões, divertidos, mas perigosos pois como eles mesmos dizem, o veneno do baiano não mata, mas pode deixar sofrendo, pois são os cumpridores da lei de Exu
Nomes conhecidos desta linha: Lampião, Zé Corisco, Zé Faísca, Zé Bento, Zé da Ronda, Zé Ferino, Severino, Zé Baiano, Zé do Coco, Zé Coquinho, Maria Bonita, Maria da Conceição, Maria das Graças, Severina do Coco entre outros.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Exu na Linha de Cura

Era mais um dia de trabalho na tenda umbandista, iniciou-se os trabalhos com a linha de caboclos, onde comumente são os que iniciam o trabalho na sessão desse templo. Por regra da casa, são os caboclos que efetuam os passes fluídicos nos filhos da assistência que ali adentram. Calmamente um a um vai adentrando no espaço de trabalho e recebendo os fluídos benévolos da linha de caboclos.
Enquanto todos os filhos incorporados e ocupados com os assistentes, uma senhora em seu silêncio esconde uma dor inimaginável, ela sofre em silêncio aguardando alguém que possa apaziguar sua aflição, mas ela não fala ninguém sabe, para todos, é apenas uma pessoa em busca de um conselho ou um passe.
Começam as curimbas para a subida dos caboclos, um a um esses bravos e maravilhosos irmãos deixam seus aparelhos, e consequentemente o recinto físico da casa.
Começam-se os pontos para os baianos, o louvor aos baianos é sempre entoado com grande festa e expectativa, são os nossos queridos camaradas que nos ajudam aconselhando e batendo um papo descontraído fazendo-nos esquecer nossas aflições que ficaram de fora desse humilde trabalho.
Um a um os assistentes vão conversando, tirando duas dúvidas e solicitando conselhos, e essa senhora, não fugindo da regra, também o fez. Mas algo a incomodava, mas ela talvez preferiu manter o silêncio.
Durante os trabalhos dos baianos, a gira descontraída, fui tomado por um êxtase inexplicável, eu não sou muito a favor de trabalhar com a linha da esquerda, confesso, não por preconceito ou porque gosto de menosprezar essa fantástica linha de guias, mas por opção e afinidade talvez.
Um baiano a chamou e foi onde ela começou a mancar, começou a chorar de dor, dizendo que estava com problemas nos rins, na perna esquerda e no braço direito, sentia muitas dores na coluna também.
Sinto a vibração do Sr. Marabô e me pergunto qual é o propósito de senti-lo em uma gira de baianos, além disso, qual é o propósito de senti-lo se eu mesmo sentia que os trabalhos corriam muito bem e sem maiores complicações?
A Vibração ficava mais forte, até que eu não pude segurar, como sou um médium semiconsciente, passivamente participei do trabalho dele e atento gostaria de saber do porque de sua aparição. Eu, já sabia que ele é uma das entidades que sirvo que atua enfaticamente na linha médica, mas qual o motivo para sua presença ali? Mil coisas se passam na cabeça, até achei que algum filho seria repreendido ou estaria ali alguma presença que por algum erro deixaram passar… É incrível como o tempo é relativo, em questão de segundos, veio um turbilhão de indagações em minha cabeça, até que…
- Tu, mocinha, venha cá! Disse ele.
Ela atônita e assustada faz com o dedinho indicador da mão direita em relação ao seu tórax, como quem diz: Eu?
- É, você mesma! Me acompanhe.
Vagarosamente a mulher o acompanhou e a levou para outro setor dentro do centro, um setor mais calmo para trabalhos mais tranqüilos. Com ele, foi chamado mais dois médiuns, que eram de Iemanjá por sinal, para acompanhá-lo no trabalho.
Chegando ao recinto, ele mandou pegar quatro bancos e ordenou a cada uma das filhas:
- Eu quero a linha de preto-velhos aqui, preciso fazer um trabalho conjunto com o início da cirurgia que irei prestar, portanto, firmem a cabeça que eu quero suas vovós aqui.
Enquanto os médiuns se preparavam para efetuar a comunicação mediúnica, ele já sentou, pediu a sua adaga, o marafo, seu charuto, e começou os trabalhos.
Lembro-me que uma preta-velha ficou posicionada ao lado direito dessa filha, outra ficou na parte posterior e o Sr. Marabô ao lado esquerdo, e iniciaram a triangulação terapêutica sobre a filha.
Foi solicitado mel e um chá de ervas, como temos essa disponibilidade no centro, fica muito mais fácil quando se existe uma urgência. Assim que esse chá de ervas e mel foi preparado, foi solicitado ao cambono ministrar três colheres na boca da senhora.
- Funcionará como anestesia, minha moça
- Espero, senhor, a dor é indescritível
- Tenha paciência, agirei em três frentes com você, você receberá passes fluídicos nas áreas menos graves, como seu braço direito e sua coluna, mesmo assim, teremos que fazer um tratamento de seis sessões, sua coluna deve-se a um reumatismo que iremos remover com o tratamento, o cansaço de sua perna deve-se a energias deletérias que serão excluídas de seu corpo, assim como seu braço direito.
Com o punhal na mão ele continua:
- A situação mais sensível é o seu rim, terei que fazer uma cirurgia psicossomática nele e te receitar alguns chás, tenha paciência que em duas luas será solucionado seu problema.
Após alguns minutos, ela dizia sentir uma pontada muito forte na dor, em contrapartida, estava tendo um alivio, uma espécie de formigamento em todo o corpo, e o preparado com o mel anestesiou um pouco suas dores, nisso, já se ouvia ela dizer: Graças a Deus, que Deus abençoe vocês.
Durante o trabalho, Sr. Marabô não parou, muitas fumaçadas de charuto ao redor da paciente, muita conversa, dizem que ele acalma muito os seus pacientes, contanto piadas e brincando, atuando também no corpo mental do paciente.
Durante o trabalho ela perguntou:
- Que estranho exu fazendo cirurgia e cura, vocês não são da encruzilhada e servem pra proteger o terreiro? Disse ela.
- Sim, a linha de exu em geral possui essa característica, mas tive um ofício na terra, que por sinal era médico, por não me achar digno de ainda caminhar na luz, caminho nas trevas, onde me sinto mais útil, e além de trabalhar sim, com a defesa do centro, pois eu também sou um exu que é firmado na tronqueira, eu também trabalho paralelamente com outros guias desse menino para atuar com a cura.
- Interessante, disse, nunca conheci um exu que trabalhasse com cura.
- Talvez você já conheça, ele apenas não se plasma dessa forma a você, dando uma gargalhada ele retruca.
Com isso, ele passou pela última vez sua adaga e disse:
- Minhas velhas, agradeço, o primeiro estágio da cirurgia foi concluído.
Nisso as preta-velhas que participaram ativamente da doação fluídica, de todo o magnetismo energético, trocando más energias por boas energias, também devagar foram desocupando seus aparelhos e fazendo com que as médiuns voltassem a si.
Disse a paciente:
- Obrigado senhor, vocês foram uma benção, eu andava com dificuldade pela dor, e agora consigo andar sem incômodo no rim ou na minha costela, vocês são uma benção, obrigado a você Exu.
- Agradeça a Deus, pois ele que deu a oportunidade para você aqui se curar e eu aqui atuar.
Com isso, a mulher foi levando muitas outras pessoas com problemas de saúde e com a graça de Deus, as graças também foram alcançadas por ela, e sinto-me muito feliz de ter sido um instrumento para essa benção e muito honrado por servir a esse Exú e a toda a Benevolência Cósmica.
Comentários:
Algumas lições tirei com isso, alguns dizem que exus só podem trabalhar no escuro e não incorporam com a presença da direita, percebe-se que isso é um mito, ele só não veio durante um trabalho da direita, como também não foi chamado, mas para atuar na Lei e praticar a Caridade tão pregada nos templos, ele veio em nome da urgência que ali existia.
O exu não é apenas uma entidade de encruzilhada ou de porteira, exu tem fundamento, exu tem Luz, exu tem conhecimento, portanto, também existem exus que possam atuar na cura, que também pode atuar com energias mais sutis.
E muitas escolas dizem que exu é um exu de Xangô ou Oxossi, o meu é um exu que vem na vibração de Iemanjá. E pelos meus ensinamentos, como os guias de Iemanjá trazem o poder da cura, não é nenhum pouco surpreendente que o exu que “ela escolheu” em minha linha, seja um digno mensageiro da vibração dela.

Saravá os Preto-Velhos
Saravá Sr. Marabô
Saravá os Exus
Saravá a Corrente Médica


Namastê
Neófito da Luz

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Maria Padilha dos Sete Cruzeiros da Calunga

França, final do século dezenove. Juliette estava desesperada. Aos dezessete anos, filha de nobres franceses estava prometida em casamento para o jovem Duque D'areaux. Por coisas que somente à vida cabe explicar, havia se apaixonado por um dos cavalariços de sua propriedade. Entregara-se a essa paixão de forma avassaladora o que culminou na gravidez que já atingira a oitava semana. Somente confiara o segredo à velha ama Marie, quase uma segunda mãe que a vira nascer e dela nunca se afastara, que a aconselhou a fugir com Jean, seu amado. Procurado, o rapaz não fugiu à sua obrigação e dispos-se a empreender a fuga. Sairiam a noite levando consigo apenas a ama, que seria muito útil à moça, e os cavalos necessários para os três. Perto da meia-noite, Juliette e Marie esgueiraram-se pelo jardim e dirigiram-se até o ponto em que o jovem as esperava. Rapidamente montaram e partiram. Não esperavam, contudo, que um par de olhos os espreitasse. Era Sophie a filha dos caseiros, extremamente apaixonada por Jean. Percebendo o que se passava, correu até a grande propriedade e alertou aos pais da moça sobre a fuga iminente. Antoine, o pai de Juliette, imediatamente chamou por dois homens de confiança e partiu para a perseguição. Não precisaram procurar por muito tempo. A falta de experiência das mulheres fazia com que a marcha dos fugitivos fosse lenta. Antoine gritou para que parassem. Assustado Jean apressou o galope e o primeiro tiro acertou-o no meio das costas derrubando-o do cavalo. Juliette correu para o amado gritando de desespero quando ouviu o segundo tiro. Olhou para trás, a velha ama jazia caída sobre sua montaria.

Sem raciocinar no que fazia puxou a arma de Jean e apontou-a para o próprio pai. - Minha filha, solte essa arma! - assim dizendo aproximava-se dela. Juliette apertou o gatilho e o projétil acertou Antoine em pleno coração. Os homens que o acompanhavam não sabiam o que fazer. Aproveitando esse momento de indecisão a moça correu chorando em total descontrole. Havia uma ponte à alguns metros dali e foi dela que Juliette despediu-se da vida atirando-se na água gelada. A morte foi rápida e nada se pode fazer. Responsável direta por três mortes (a dela, do pai e da criança que trazia no ventre) causou ainda, indiretamente mais duas, a de Jean e da ama. Triste destino aguardava o espírito atormentado da moça. Depois de muito vagar por terrenos negros como a noite e conhecer as mazelas de incontáveis almas perdidas encontrou um grupo de entidades que a encaminhou para a expiação dos males que causara. Tornou-se então uma das falangeiras de Maria Padilha. Hoje em nossos terreiros atende pelo nome de Maria Padilha dos Sete Cruzeiros da Calunga, onde, demonstrando uma educação esmerada e um carinho constante atende seus consulentes sempre com uma palavra de conforto e fé exibindo um sorriso cativante. Salve minha mãe de esquerda!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

CONVERSA ENTRE EXU E OXALÁ.

O céu e a terra fundiam-se no horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.

Sentado s
obre uma pedra em uma enorme montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Exu observava o fenômeno da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.

_Como é difícil a humanidade – pensou em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e, em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo... Tudo que era para ser tão simples acaba tão complicado.

Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Exu observou cada canto daqueles arredores. Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade. Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos. Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição.

Exu suspirou.

_Serei eu o diabo da humanidade? – pensou ironicamente, ao lembrar o quanto era associado à figura do demônio. Passou horas observando coisas que estava habituado a ver todos os dias: mentiras, fraudes, corrupção, traições, inveja, e uma gama enorme de sentimentos negativos.

Foi quando estava imerso nesses pensamentos que Exu ouviu uma voz ao seu lado, dizendo naquele tom austero, porém complacente:

_Laroyê, Senhor Falante.

Exu ergueu os olhos e vislumbrou a figura altiva de Oxalá.

_Èpa Bàbá – respondeu Exu, fazendo um pequeno movimento com a cabeça, em sinal de respeito.

_Noto que está pensativo, amigo Exu – falou Oxalá.

Exu respirou fundo, contemplou novamente o horizonte e respondeu:

_Trabalhamos tanto... e incansavelmente, mas os homens parecem não valorizar nosso esforço.

Oxalá moveu os lábios para dizer algo, mas antes que isso acontecesse, Exu, como que prevendo o que seria dito, continuou:

_Não falo em tom de reclamação, sou um trabalhador incansável e o amigo sabe disso. É com prazer que levo o que tem ser levado e retiro o que deve ser retirado. É com satisfação que abro ou fecho os caminhos, de acordo com a necessidade de cada um, é com resignação que acolho sobre minhas costas largas a culpa do mal que muitos espíritos encarnados e desencarnados fazem, não reclamo do meu trabalho. Sou Exu, para mim não existe frio ou calor, cansaço ou preguiça, existe apenas a necessidade de cumprir a tarefa para qual fui designado.

_Se mostra tão resignado e, no entanto, parece que deixa-se abater pelo desânimo – comentou Oxalá, apoiando-se em seu paxorô.

Exu soltou uma gargalhada, ao que Oxalá deu um leve sorriso, com um movimento quase imperceptível no canto direito dos lábios.

_Não sou resignado nem tampouco estou desanimado – falou Exu – estou pensativo sobre pouca inteligência dos homens. Veja só: como responsável pela aplicação da Lei Cármica observo muita coisa. Observo não apenas o sofrimento que alguns homens impõem a si mesmos, mas vejo também as incessantes oportunidades que o Universo dá a cada um dos seres que habitam a Terra. O aprendizado que tanto precisam lhes é dado por bem, mas quase nunca enxergam pelo amor, então lhes é dada a oportunidade de aprender pela dor, mas geralmente só lembram a lição enquanto a dor está a alfinetar sua carne. Com o alívio vem o esquecimento e todos os erros e vícios voltam a aflorar.

Oxalá fez menção de dizer algo, mas com o dedo em riste entre os lábios, novamente Exu o impediu de falar.

_Ouça – disse Exu, colocando a mão em concha na orelha, como se ele e Oxalá precisassem disso para ouvir melhor. E ambos ouviram o som que vinha da Terra. O som da inveja, dos maus sentimentos, da maledicência, da promiscuidade, da ganância. Exu deu outra gargalhada e disse:

_Percebe? Temos trabalho por muitos séculos ainda.

_E isso não é bom? – perguntou Oxalá, que dessa vez não deixou Exu responder e continuou:

_Pobres homens, ignorantes da própria grandeza espiritual e da simplicidade do Universo. Se não desconhecessem tanto o funcionamento das coisas, seriam mais felizes.

_Não estão preocupados em discernir o bem do mal – resmungou Exu.

_E você está, Senhor Falante? – tornou Oxalá.

Mais uma vez Exu gargalhou.

_Para mim não existe o bem ou o mal. Existe o justo, bem sabe disso.

_Então por que tenta exigir esse discernimento dos pobres homens?

_Eu conheço os caminhos – respondeu Exu um tanto irritado – para mim não existem obstáculos, todos os caminhos se abrem em encruzilhadas. Para mim as portas nunca se fecham e as correntes nunca prendem. Conheço o sutil mistério que separa aquilo que chamam de bem daquilo que chamam de mal. Não sou maniqueísta, não sou benevolente, pois não dou a quem não merece, mas também não sou cruel, pois sempre ajo dentro da Lei. Os homens, coitados, acreditam na visão simplista do bem e do mal, como se todo o Universo, em sua “complexa simplicidade” se resumisse apenas entre o bem e o mal.

_Pobres homens – repetiu Oxalá.

_Pobres homens – concordou Exu – mesmo olhando o Universo de uma forma tão simplista, dividido apenas entre bem e mal, acabam sempre demonizando tudo, achando que o mal é o melhor caminho para conseguir o que desejam ou então acreditam que são eternas vítimas do mal. E o que é pior, quase sempre eu é que sou o culpado.

_Mas é você o responsável pelo mal? – perguntou Oxalá, admirando o horizonte.

_Sou justo, apenas isso – respondeu Exu.

_Não seria a justiça uma prerrogativa de Xangô? – tornou o maior dos orixás.
Exu olhou fundo nos olhos de Oxalá e respondeu:

_Estou a serviço do Universo, de cada uma das forças que o compõe, inclusive do Senhor da Justiça.

_Isso significa que trabalha em harmonia com o Universo, caro Exu?

_Imaginei que soubesse disso – respondeu Exu, irônico como sempre.

_Acho que sempre soube. Quando observo o horizonte e vejo o céu fundindo-se à Terra, percebo o quanto o material pode estar ligado ao espiritual. Mas também lembro que o sol vai raiar e acredito que apesar de todas as dificuldades que os próprios homens criam, é possível acender a chama da fé em seus corações. Percebo o quanto eles são falhos, mas percebo também o quanto são frágeis e precisam de nós – e nesse momento pousou a mão sobre o ombro de Exu – sejam dos que trabalham na luz ou na escuridão, pois tudo faz parte do Uno e se inter-relacionam. O mesmo homem que hoje está nas profundezas mais abissais, amanhã pode ser o mensageiro da luz.

Exu olhou para os olhos de Oxalá, como se não estivesse concordando, mas dessa vez foi Oxalá quem não deixou que o outro falasse, prosseguindo com sua narrativa:

_Se não fossem os valorosos guardiões que trabalham nas regiões trevosas, dificilmente os que ali sofrem um dia alcançariam o benefício da luz. Se houvesse apenas a luz, não haveria o aprendizado, que tem como ponto de partida o desconhecimento, as trevas. O Universo tão simples é ao mesmo tempo tão inteligente, que mesmo nós, que observamos os homens a uma distância grande, às vezes nos surpreendemos com sua magnitude. Os homens são frutos que precisam amadurecer e você, amigo Exu, é a estufa que os aquece até o ponto certo da maturação e eu sou a mão que os colhe como frutos amadurecidos.

_Quem diria que trabalhamos em harmonia? – disse Exu em meio a um sorriso – acreditam que vivemos a digladiar quando na verdade trabalhamos em busca de um mesmo objetivo: o aprimoramento da raça humana.

Oxalá só não soltou uma gargalhada porque não era esse seu hábito (e sim o de Exu), mas disse sem conseguir esconder o contentamento:

_Então, companheiro Exu, não temos porque lamentar. A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar. A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda. Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada. Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa estática. Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o progresso da raça humana, que tanto depende de nós.

Nesse momento o sol começou a raiar timidamente no horizonte, separando o céu e a Terra. Exu levantou-se da sua pedra e se pôs a caminhar montanha abaixo.

_Aonde vai, Senhor Falante? – perguntou Oxalá, como se não soubesse.

_Vou trabalhar, Senhor dos Orixás – respondeu Exu gargalhando novamente – Esqueceu que sou um trabalhador incansável e que trabalho em harmonia com o Universo, mesmo que ele me imponha a luz do sol?

Oxalá não respondeu, mas esboçou um sorriso tímido. Assim trabalhava o Universo: sempre em harmonia. Os homens, mesmo ainda presos a tantos conceitos primários, trilhavam os primeiros passos em direção ao progresso, pois não estavam órfãos de seus orixás e protetores.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

A importancia do assentamento para EXU

Todos os que conhecem a Umbanda e os demais cultos afro brasileiros sabem que, antes de qualquer trabalho ser iniciado, é preciso ir até a tronqueira ou casa de Exu e firmá-lo, para que ele possa atuar por fora do espaço espiritual do templo (Tenda ou Ilê Axé), protegendo-o das investidas de hordas de espíritos “caídos” que estão atuando contra as pessoas que buscam auxílio espiritual e religioso que possa livrá-las dessas perseguições terríveis.
Para que um trabalho transcorra em paz, harmonia e equilíbrio, e para que os guias espirituais possam atuar em benefício das pessoas e trabalhar os seus problemas, é preciso que tronqueira esteja firmada, porque assim, ativada, ela é um portal para o vazio relativo regido pelo senhor Exu guardião ligado ao Orixá de frente do médium dirigente do templo.
Um Exu guardião é assentado na tron­queira, e vários outros são “firmados” dentro dela, sendo que estes estão ligados a outros senhores Exus guardiões de reinos e de domínios regidos por outros Orixás.
Os outros não podem ser assentados, senão dois vazios relativos se abrem “ao redor” do espaço espiritual “interno” do templo, e a ação de um interfere na do outro.
Um só Exu guardião é assentado, e todos os outros são só “firmados” na tronqueira, pois, se dois forem assentados na mesma, a ação de um interferirá na ação do outro vazio relativo aberto no “lado de fora” do templo.
Assentar o Exu e a Pombagira guardiã no mesmo cômodo ou “casa de esquerda” é aceitável, porque o campo de ação dele se abre no “lado de fora” e o campo dela abre-se para dentro do “lado de dentro” do templo, criando apolarização com o campo do Exu guardião.
. O campo do Exu guardião é o vazio relativo que se abre no lado de fora do espaço espiritual interno do templo.
. O campo da Pombagira guardiã é o “abismo” que se abre para “dentro”, a partir do espaço espiritual interno do templo.
. Esses dois Orixás são indispensáveis para o equilíbrio de um trabalho espiritual, porque um atua por fora e o outro atua por dentro do templo.
. Um se abre para fora, repetindo o mistério das realidades, e o outro se abre para dentro, repetindo o mistério das dimensões.
. Exu retira do “espa­ço infinito” tudo e todos que estiverem gerando desequilíbrio ou causando desarmonia.
. Pombagira recolhe ao âmago do espaço in­finito tudo e todos que o estiverem desarmoni­zan­do.
São duas formas pare­cidas de atuação, mas Exu retira, e Pombagira inte­rioriza.
Comparando o espaço infinito com um vulcão, Exu seria o ato de erup­ção, quando ele descarrega a intensa pressão interna. Já a ação de Pombagira, seria a das rachaduras internas , que a pressão abre dentro da crosta, nas quais correm e acumulam-se toneladas de lava vulcânica, que se acomodam e, lenta­mente, se resfriam e se cristalizam, gerando enormes acúmulos de minérios e cristais de rochas.
Exu e Pombagira são indispensáveis aos trabalhos espirituais, porque junto com os consulentes vêm todas as suas cargas energéticas e vibratórias negativas; suas cargas espirituais e elementais que sobrecarregam o espaço espiritual interno, que deve ter essas duas “válvulas” de escape funcionando em perfeita sintonia e sincronizadas com todo o trabalho que está sendo realizado pelos guias espirituais.
Se essas “válvulas” estiverem fun­cionando bem, o trabalho realizado não sobrecarregará os guias espirituais que trabalharam pelas pessoas. Porém se não funcionarem corretamente, eles terão que recolher todas as sobrecargas e irem descarregando-as lentamente nos pontos de forças da natureza, mas à custa de muitos esforços.
Portanto, com isso entendido, espe­ra­mos que os umbandistas entendam o porquê de terem que firmar seu Exu e sua Pombagira antes de abrirem seus trabalhos espirituais.
Exu e Pombagira geram muitos fato­res e executam muitas funções na Criação e, em algumas dessas funções, formam linhas de trabalhos espirituais.
Eles também formam pares. Em algumas oca­siões são complemen­ta­res; em outras, são opos­tos; em outras, são com­plementares e opostos ao mesmo tempo.
Só pelas suas funções aqui já descritas, tornam-se indispensáveis à paz, à harmonia e ao equilíbrio dos trabalhos espirituais realizados pelos médiuns umbandistas, tanto os realizados dentro dos centros quanto os realizados fora dele.
Afinal, não são poucos os médiuns que, movidos pela bondade, vão até a residência de pessoas com graves problemas ou demandas para ajudá-las e, por não tomarem a precaução de firmar Exu e Pombagira antes de trabalhar para elas, ao invés de ajudá-las realmente, só pegam cargas que irão desequilibrá-los também.
Para se fazer um bom trabalho na residência de alguém, assim que chegar, deve-se ir até o quintal, riscar um ponto de Exu, colocar um copo com pinga, firmar as velas nos seus pólos mágicos e invocar o Orixá Exu e o seu Exu guardião, pedindo-lhes que descarreguem todas as sobrecargas e recolham todas as demandas feitas contra os moradores da casa e até contra ela.
O mesmo deve ser feito com Pomba­gira para que, só então, o médium comece a trabalhar espiritualmente, porque, aí sim, todas as cargas e demandas terão por onde ser descarregadas. E mesmo as entidades negativas que tiverem de ser transportadas para que recolham suas projeções negativas virão de forma ordenada e equilibrada, não causando nenhum problema durante o trabalho.
Quando se vai com alguém na natureza para descarregá-lo, tanto o médium deve firmar suas forças em sua casa como deve, pelo menos, firmar Exu ou Pombagira no campo vibratório escolhido, para não ter contratempo algum durante o trabalho de descarr ego na natureza.
São medidas indispensáveis para que um bom trabalho seja realizado e tudo transcorra em paz.
Esperamos ter conseguido transmitir os fundamentos necessários para que o ato de “firmar” a esquerda não seja mal interpretado, e sim visto como indis­pen­sável para que bons trabalhos sempre sejam realizados, tanto em benefício próprio quanto dos nossos semelhantes.

FONTE: Rubens Saraceni Texto extraído do livro: “Orixá Exu – Fundamentação do Mistério Exu na Umbanda” – Editora Madras